Vasco Cabral de Magalhães

Infância Azul


Sou do tempo do azul da tinta e do tinteiro da caligrafia das letras palavras estórias a azul de invejar as pedras negras mouras ou mesmo os céus eram tempos em que a escola era azul embora o livro fosse cinzento o quadro fosse negro ? mais negro do que a terra porém os rios as serras as plantas os caminhos de ferro ? todo o saber e o aprender eram azuis só mesmo as contas andavam no vermelho nesse tempo de inocência mas também de muitos chuis todavia o tempo cresceu e com ele fui perdendo o rubi azul e ganhando outras cores menos límpidas menos frescas enquanto as flores foram florindo e os amores murchando por falta de água azul e então esse azul do norte já sem contentamento esboroou-se com todo o meu desalento por milagre talvez das andorinhas outras formas e tonalidades azuis entretanto emergiram ao descobrir o nascente do Sul o mármore azul as deusas hindus o fio azul e dourado da porcelana Ming e Ching e o branco e o azul do bule para servir o chá verde e nunca mais soube do azul de Lisboa céu demasiado tacanho para o vôo da minha joaninha ? e nunca mais li poesia de outras cores porque a minha alma engordou deixou de ser fria e as águas da grande barreira de coral fizeram de meu verso navio sem ré ? espuma azul nunca vista na minha infância talvez porque a norte deus era um tipo para poucas conversas mas duro a ordenar: «Marchar ? marchar!» haverá alguma coisa mais azul do que o azul da infância ou da sabedoria da inocência! Pois! Se deus fosse azul as outras cores não morriam!