Dewis Caldas

O Luiz Gonzaga que surge nestas fotos

É pra mim impossível dizer a primeira vez que ouvi Luiz Gonzaga na vida. Na minha infância, no interior do Estado do Maranhãoo forró era tão comum quanto a luz do dia, tocando sempre no volume máximo numa casa do vizinho, ou nas ruas, nas festas populares ou elitistas, na tv, no radio.  E ouvir forró e não enxergar o grande criador e máximo expoente do ritmo é como ouvir bossa nova e não reconhecer João Gilberto ou Tom Jobim. Esses dois, por exemplo, eram fãs de carteirinha e assumiam sempre a influência que tiveram ao ouvir as músicas de Luiz. Mas o momento exato em que o universo gonzagueano e sua territorialidade chegou a mim foi aos treze anos, viajando com a família de Chapadinha para Campina Grande, na Paraíba masculina, onde morei por um ano. Ao atravessar o Ceará, meu tio teve a ideia de descer mais pra baixo do mapa, ao sul, e passarmos por Exu, a primeira cidade depois da fronteira do Estado, já em terras pernambucanas. 

Como esse desvio renderia muitas horas a mais ao trajeto, decidiu-se que a ida ao berço do rei do baião seria impossível, mas em mim, no fundo do desejo, a viagem um dia aconteceria. E assim fiquei, na cabeça matutando durante toda a minha adolescência. Quase quinze anos depois, já em Cuiabá, no meu Mato Grosso, onde vivi por dez anos, me voltei novamente para toda a obra de Luiz Gonzaga, agora como pesquisador musical. Já era jornalista e tinha passado os últimos seis anos publicando dezenas de textos sobre música, resenhas de shows, análise de discos para veículos de 16 Estados no Brasil e também no exterior. Como também era músico - uma arte que comecei a aprender pouco antes da viagemque conto no primeiro parágrafo - procurava sempre juntar o ofício de escrever com a música, mas não queria escrever sobre o seu sentido técnico, mas sim ao incrível aspecto musicalque representa um povo, um país, uma nação. Os estudiosos chamam este aspecto de etnomusicologia. 

Trabalhei em muitos festivais de rock, tive banda de brega, fiz festas de samba, cheguei perto da música folclórica, do rap, trabalhei numa banda gospel, depois numa orquestra e realizei minha monografia sobre o lambadão, na contramão do que era "de bom gosto" vigente numa sociedade que julga este gênero tão peculiar como um ritmo periférico. Mas queria mesmo era ir e ouvir as canções que saiam dos povoados, das pequenas aldeias, viver o mundo delas, apresentar estes personagens. Durante as muitas pesquisas, o audiovisual facilitou este objetivo, e passei a gravar vídeos para dar suporte ao que eu escrevia, o que me levou ao mundo dos documentários. E como num piscar de olhos, aquele velho desejo dos meus treze anos voltou fervorosamente e explodiu como uma bomba. Arquitetei a ida para Exu, na Serra do Araripe, na fronteira do Pernambuco com o Ceará e idealizei a digreção por todo o Estado do Pernambuco. 

Inicialmente busquei um sentido mais amplo, como tema o "forró", levando apenas os equipamentos e meu violão, tudo o que precisava. Mas por onde avançava minha pesquisa, seja forró, seja baião, seja música nordestina, seja o próprio Nordeste, eu chegava em Luiz Gonzaga. Foi aí que iniciei uma pesquisa minuciosa sobre a vida e obra do sanfoneiro. Li biografias, documentários, vídeos e reportagens e escutei tudo o que ele gravou, de 1941 a 1989, ano de sua morte. Quando chegou o ano de 2012, época em que o mito sanfoneiro completa cem anos de nascimento, o país inteiro e boa parte do mundo começou a homenageá-lo: o carnaval foi todo dedicado à ele, foi também tema de uma escola de samba de carnaval no Rio de Janeiro, as festas juninas foram todas dedicadas à ele, tinha filme na tv, pequenos documentários, muitas reportagens, discos em homenagem de diferentes artistas e projetos de todos os tipos lembrando o centenário do rei. 

Ainda naquele ano eu trabalhei numa campanha politica e decidi destinar boa parte do dinheiro que ganhei como assessor de imprensa para comprar uma boa câmera, um gravador e finalmente as passagens aéreas. Pensei: se o Brasil inteiro passou o ano fazendo tantas coisas, imagine só o rebuliço que seria no dia 13 de dezembro, o dia do aniversário do Rei do baião. Na hora surgiu a primeira problemática: como fazer um documentário sobre alguém que já foi tema de tantos filmes e biografias lançadas que temas eu poderia levantar num universo de 48 anos de vida ativa no mercado musical brasileiro Que tipo de novidade acrescentar para que o trabalho fosse relevante Ufa! Matutei e percebi que se falava muito noLuiz Gonzaga histórico, da cronologia de sua vida, dos muitos acontecimentos emblemáticos, e cheguei na questão: Quem é Luiz Gonzaga hoje

Quem é Luiz Gonzaga hoje se não aqueles que levam o seu legado, a sua obra, suas histórias e suas lembranças para os quatro cantos do mundo 23 anos depois de sua morte. Fui atrás destes personagens e montei um perfil jornalístico do rei do baião composto por vendedores de camisetas e de objetos, pessoas que tocam suas músicas, fã clubes, pessoas quevão anualmente para Pernambuco homenageá-lo, também pessoas da família, amigos de infância, a cozinheira, o vaqueiro, parceiros musicais de todas as épocas, e quem mais fosseque tivesse participado da vida e contríbuido da obra desde homem que mudou a música brasileira. Fiquei 27 dias no Estado do Pernambuco. Passei por quatro cidades, realizei 49 entrevistas e perdi 7kg. Estas fotografias são um diário de bordo impessoal feito durante as gravações do documentário Ãia eu aqui de novo - Na terra de Luiz Gonzaga no ano do centenário, em 2012, que contam bastidores desta aventura fantástica na obra e no universo deste que Ã© o brasileiro do século. Entre neste universo.