Este trabalho foi organizado seguindo as prelecções do Doutor Arnaldo de Miranda Barbosa, (n. Espinho 1916; f. Coimbra 1973), feitas nas aulas de História da Filosofia Medieval, no ano lectivo de 1948/49, na Universidade de Coimbra, de que era Professor Catedrático e depois Vice-Reitor da mesma Universidade.
Não pretende ser, evidentemente, uma História da Filosofia Medieval, nem tal era possível executar no curto período de aulas relativas ao Espírito Medieval, constantes do Currículo; também não existe qualquer interesso material na publicação destes «ditos subsídios» que aqui deixo, mas somente dar a conhecer, sucintamente, algo sobre o Pensamento Medieval e contribuir, embora com o pouco que sei, para ajudar a desfazer a ideia comum propagada por Michelet e outros, ao denegrirem tudo quanto se fez neste período do «Pensamento da Humanidade» que, sob o ponto de vista histórico, vai de 476 a 1453, e que, filosoficamente, tem origens muito anteriores e fins posteriores; isto é, começou antes de 453 e terminou depois de 1453.
Começo por localizar, temporalmente, os acontecimentos, de acordo com alguns filósofos que não aceitam considerar a Idade-Média, quer na «Vida», quer no «Pensamento», como uma época de total obscurantismo em todos os seus aspectos, pois não é verdade. Se o houve, e é um facto, no que toca ciência propriamente dita, explicativa, já assim não foi em outras actividades, que muitas foram, na especulação e na descoberta. Se depois, nas eras da experimentação científica, desapareceu esse tal obscurantismo, não deixou de haver, como sempre se tem encontrado em alguns pensadores de toda a História da Humanidade, o confuso e o absurdo.
É vulgar encontrar-se, nos sábios modernos e da actualidade, antes ou em seguida ao que escrevem, um «dicionário próprio» a que dão o nome de «Glossário», para se poder traduzir para uma linguagem acessível aquilo que escreveram e assim se compreender o alcance do seu pensamento. Ora, este é o processo dos sábios, que, como sábios, poderiam, se quisessem, empregar outra terminologia que dispensasse o «glossário». BemPode dar-se o caso de quererem que os seus pensamentos e descobertas estejam apenas ao alcance dos eruditos; mas então pouco adiantam ao progresso da Humanidade, que, apesar de toda a sua ignorância, ela é, como disse Antero de Quental, «O Grande Filósofo», e que precisa sempre da explicação imediata, sem recorrer constantemente ao «Dicionário», o que lhe rouba imenso tempo, do pouco tempo que foi posto sua disposição.
A Vida e o Pensamento da Humanidade costumam andar lado a lado, num paralelismo tão chegado, que leva muitas pessoas a confundirem uma coisa com a outra.
Ora, nada mais errado do que esta atitude. Se o Pensamento pressupõe a existência, esta não pressupõe aquele.
Se aceitarmos que a «Vida» da Humanidade é a sua História, ou seja o conjunto de fenómenos de que é autora e atora, dos seus actos, tal como ficaram testemunhados por vestígios e registados por documentos, também é de aceitar que o seu «Pensamento» é a sua Filosofia, é o seu Espírito; é aquilo que conhece e entende dos fenómenos, das coisas que a rodeiam e que aceita como verdades, ou rejeita como mentiras.
Pode este conhecimento e entendimento não serem mais do que aquilo como vêem essas coisas, isto é, a apreensão da realidade objectiva tal como os Sentidos lha apresentam, seja ela falsa, ou seja verdadeira, em si mesma.